Brasileiros são latino-americanos? Uma análise glotopolítica da questão*

Glenda Heller Cáceres

Universidade Federal do Paraná, Brasil
caceres_gle@hotmail.com

Gabriel Camargo Onseko

Universidade Federal do Paraná, Brasil
gabrielonesko@gmail.com

Trabajo recibido el 31 de agosto de 2024 y aceptado el 18 de febrero de 2025.

Resumo

Historicamente, relações amistosas e conflituosas se estabeleceram entre o Brasil e os demais países latino-americanos. Pensando nessas relações, revela-se importante considerar como elas se manifestam para os brasileiros e se incorporam às suas subjetividades. Assim, este estudo oferece reflexões sobre o imaginário dos brasileiros acerca do sentimento de pertença à América Latina. Circunscrito ao campo glotopolítico, este trabalho consiste no estudo discursivo de um corpus construído a partir de comentários de usuários de uma mídia social em reação a um material audiovisual por ela disponibilizado no qual se afirma que “os brasileiros não se reconhecem como latino-americanos”. A análise permite compreender que, no caso em questão, a identidade brasileira se afirma em antagonismo à latino-americana e está fundamentada numa ideologia que avalia negativamente o conjunto social a ela vinculado. Nessa relação, os vínculos linguísticos adquirem um papel central.

Palavras-chave: glotopolítica, ideologias linguísticas, identidade nacional, brasileiro, América Latina.

¿Son los brasileños latinoamericanos? Un análisis glotopolítico de la cuestión

Resumen

Históricamente, entre Brasil y los demás países latinoamericanos se establecieron relaciones amistosas y conflictivas. Pensando en tales relaciones, nos parece importante considerar cómo se manifiestan y se incorporan a las subjetividades de los brasileños. En ese sentido, este estudio teje reflexiones sobre el imaginario de los brasileños acerca de su sentimiento de pertenencia a América Latina. Circunscripto al campo glotopolítico, este trabajo consiste en el estudio discursivo de un corpus construido a partir de comentarios de usuarios de un medio social de comunicación en reacción a un material audiovisual divulgado por este medio en el que se afirma que “los brasileños no se reconocen como latinoamericanos”. El análisis nos permite comprender que, para este caso específico, la identidad brasileña se afirma antagónicamente a la latinoamericana y está basada en una ideología que evalúa negativamente el conjunto social al que se le atribuye esta designación. En esa relación, los vínculos lingüísticos cumplen un papel clave.

Palabras clave: glotopolítica, ideologías lingüísticas, identidad nacional, brasileños, América Latina.

Are Brazilians Latin Americans? A glottopolitical analysis of the question

Abstract

Historically, both friendly and conflictual relations have been established between Brazil and other Latin American countries. Considering these relations, it is important to reflect on how they manifest for Brazilians and are incorporated into their subjectivities. Thus, this study offers reflections on the Brazilian imagination regarding the sense of belonging to Latin America. Situated within the field of glottopolitics, this work consists of a discursive analysis of a corpus built from user comments on a social media platform in response to audiovisual content it made available, which asserts that “Brazilians do not recognize themselves as Latin Americans.” The analysis allows for an understanding that, in this case, Brazilian identity is asserted in antagonism to Latin American identity and is based on an ideology that negatively evaluates the social group associated with it. In this relationship, linguistic ties acquire a central role.

Keywords: glottopolitics, language ideologies, national identity, Brazilian, Latin America.

1. Introdução

Reconhecendo-nos como pesquisadorxs brasileirxs e professorxs de espanhol no Brasil, interessadxs nas relações entre política e linguagem na região latino-americana, neste estudo temos como objetivo dedicar-nos a discutir uma questão identitária muito particular: o sentimento de não pertença à América Latina que atravessa as subjetividades de grande parte dos brasileiros. Para dar lugar a esse debate, entendemos como fundamental mobilizar o conceito de ideologias linguísticas à luz da glotopolítica e, ao situarmos nossas reflexões numa posição intelectual glotopolítica (Del Valle 2021), assumimos, desde já, a necessidade de marcar o caráter interdisciplinar, social e crítico deste trabalho.

Nossas discussões ancoram-se nos estudos discursivos pensados e produzidos na América Latina. Conforme aponta Arnoux (2021), a criação dos Estados Nacionais latino-americanos se instaura com um gesto de independência que permanece em diversos setores da vida nessa parte do continente e impõe um pensamento emancipatório, capaz de questionar os saberes hegemônicos (especialmente euro-ocidentais), confrontando-os com a realidade de nossos países. É esse passado comum do continente que motiva um perfil particular da Análise do Discurso1 na América Latina, juntamente com o posicionamento que faz derivar dos pesquisadores, os quais, simultaneamente, buscam recuperar a memória histórica e comprometem-se profunda e criticamente com as questões de seu tempo.

No caso do trabalho que aqui descrevemos, analisamos um corpus construído a partir de comentários publicados por usuários de uma mídia social em resposta a um vídeo divulgado na web. No vídeo apresenta-se o resultado de uma pesquisa que conclui que os brasileiros não se reconhecem como latino-americanos. Buscamos, em última análise, interpretar discursivamente os enunciados e compreender como se manifestam as subjetividades que estão em cena nas interações, na construção do ser/pertencer brasileiro.

2. Quando os fatos da linguagem são revestidos pelo político

Conforme mencionamos, situamos nosso trabalho no campo da “glotopolítica”, termo que apareceu por primeira vez no trabalho de dois sociolinguistas, Louis Guespin e Jean-Baptiste Marcellesi, publicado em 1986 (Arnoux 2000, Del Valle 2021). Nesse texto, os autores justificam que o termo proposto por eles se contrapõe aos sintagmas “política linguística” ou “planificação linguística” mediante os quais se dá mais atenção ao primeiro vocábulo (e não ao adjetivo “linguística”), motivo pelo qual muitos linguistas não se sentem convocados a se comprometer com as tarefas de investigar e propor mudanças na relação entre línguas e falantes, sobretudo no sentido social. Ademais, revelam que o termo escolhido não evidencia a dicotomia saussureana “língua e fala” que, de certa forma, oculta outros aspectos elementares para a compreensão e análise dos fatos da linguagem (Guespin y Marcellesi, 2021). Revela-se, assim, um interesse para além da língua como um sistema fechado em si mesmo, da fala como um ato individual, das produções linguísticas alheias às circunstâncias imediatas e históricas em que se produzem.

Hoje, os estudos glotopolíticos gozam de uma ampla comunidade acadêmica interessada por eles; comunidade esta que compartilha determinados princípios sobre os “fatos glotopolíticos”2. A glotopolítica está agora mais espessa a respeito de sua latência, sem, no entanto, desconsiderar os interesses iniciais de investigação3 e os que tiveram lugar nos anos imediatamente subsequentes. Com isso, tampouco queremos dizer que esses estudos tenham se esgotado: parecem-nos ainda altamente produtivos4, se reorganizam em torno de novas temáticas e reinterpretam continuamente seu lugar científico. Vale lembrar que em um texto atual, Del Valle (2021) recupera a distinção inicial proposta pelos autores do termo e insiste em que a glotopolítica não toma como objeto somente os temas próprios das políticas linguísticas, mas posiciona os fenômenos em um espectro mais amplo de acontecimentos, ações e processos. Nesse sentido, os estudos glotopolíticos —para os quais a relação entre linguagem e política é inseparável— abraçam

[u]ma concepção da política que abarca não só ações institucionais ou institucionalizadoras que visam a controlar os mecanismos de um aparelho do poder —especialmente o do Estado— mas também interações de qualquer índole nas quais está em jogo a constituição e internalização de identidades sociais (subjetividades) que intervêm na partilha de um poder que se manifesta em diferentes escalas de institucionalização (Del Valle 2021, 13; tradução nossa, grifo nosso).

Tal como propõem Guespin e Marcellesi (2021), ao adotarmos uma postura glotopolítica, nós, linguistas, devemos observar não apenas as ações da sociedade sobre a língua, mas também compreender a língua como um agente social. Nesses dois prismas, encontramos cabida para estudar os fatos glotopolíticos como aqui nos propomos: no primeiro caso, as ideologias que se constroem em torno das línguas e dos falantes guiam as ações sociais sobre estas (de forma mais ou menos consciente); no outro, a língua incide, enquanto agente social, sobre a formação das identidades. É acerca desse entrelaçamento ideológico-identitário que nos debruçamos nestas páginas.

3. Entre ideologias linguísticas e identidades nacionais

Os estudos preocupados por analisar ideologias linguísticas são aqueles que se distanciam de uma visão autônoma da língua; da língua como código, como representação da realidade, como meio de transmissão de informação ou reduzida a uma função referencial, isto é, daquele ramo formal da linguística que busca compreender a língua como um objeto altamente sistemático e regular (Kroskrity 2010; Del Valle y Meirinho-Guede 2015) e que por longo tempo deixou os falantes, o contexto e a história à margem do campo de observação da ciência da linguagem. Isso não significa, no entanto, que a materialidade da língua não seja considerada no campo de estudos das ideologias linguísticas, mas é imprescindível, junto dela, atender às circunstâncias em que se produz.

Amplamente, as ideologias linguísticas se manifestam no campo das idéias como representações que emergem da interpretação das relações entre línguas e sujeitos (Woolard 2012, Del Valle 2007, Arnoux y Del Valle 2010). Alguns autores ressaltam que elas também se produzem e reproduzem nas práticas linguísticas —ações em que os interlocutores negociam suas identidades— e metalinguísticas —quando fazem alusão consciente à língua— (Del Valle 2007, Arnoux y Del Valle 2010, Kroskrity 2010, Del Valle y Meirinho-Guede 2015). Contudo, devemos observar que “as ideologias linguísticas não tratam unicamente da língua [mas] colocam em questão os vínculos da língua com a identidade, a estética, a moralidade e a epistemologia” (Woolard 2012, 19; tradução nossa). Isso reafirma o caráter interseccional da língua com outros elementos da vida social como fundamental para os estudos das ideologias linguísticas.

Blommaert e Verschueren (2012), num capítulo em que tratam do papel da língua nas ideologias linguísticas europeias, tornam ainda mais protuberante tal questão. Numa seção intitulada “A relevância da ausência”, os pesquisadores mostram que, no corpus por eles investigado, raras vezes havia uma referência direta à língua. Nas palavras dos autores, não mencionar explicitamente a língua é “a autêntica essência da ideologia linguística popular” (Blommaert y Verschueren 2012, 248; tradução nossa). Eles revelam, portanto, que não só as ideologias linguísticas dizem respeito a indagações que não necessariamente remetem à língua em si, como bem podem prescindir totalmente dessa remissão. Por outro lado, no estudo realizado, a língua surgia como tema, no debate ideológico, fundamentalmente em uma situação específica: quando os autores dos textos analisados faziam referência a sociedades que eram diferentes da própria.

Colocar a língua no centro do debate ou trazê-la à tona, ainda que marginalmente, parece ser, então, uma emergência decorrente daquilo que Blommaert e Verschueren (2012, 252-253) chamam de “dogma da homogeneidade”: uma concepção social em que as diferenças são vistas como perigosas. Dito isso, parece ser ainda mais evidente a relação inerente entre ideologias linguísticas e identidade, dado que esta, conforme Silva (2014), se define pela marcação da diferença (sou o que o outro não é). Porém, tanto identidade quanto diferença “têm que ser ativamente produzidas” uma vez que “são o resultado de atos de criação linguística. Dizer que são o resultado de atos de criação significa dizer que não são ‘elementos’ da natureza, que não são essências [...] são criações sociais e culturais” (Silva 2014, 76; aspas e grifo no original).

Um dos temas ideológico-identitários de nosso interesse aqui, o nacionalismo5, entendido como uma tentativa de manter a unidade de um grupo, é visto como algo positivo dentro do chamado “dogma da homogeneidade”. Isso porque a maneira como os indivíduos se identificam com determinada nacionalidade depende das representações que elaboram sobre ela, que podem estar atreladas a um conjunto compartilhado de histórias, de mitos fundantes, de tradições ou, inclusive, na valorização de uma nação sobre as demais (Hall 2015). Ou seja,

na medida em que não existe nenhuma “comunidade natural” em torno da qual se possam reunir as pessoas que constituem um determinado agrupamento nacional, ela precisa ser inventada, imaginada. É necessário criar laços que permitam “ligar” pessoas que, sem eles, seriam simplesmente indivíduos isolados, sem nenhum “sentimento” de terem qualquer coisa em comum (Silva 2014, 85; aspas no original).

Seguindo a lógica do “dogma da homogeneidade”, Blommaert e Verschueren (2012) concluem que o modelo ideal de sociedade seria “monolíngue, monoétnico, monoreligioso e monoideológico”. É o que acontece no processo de construção das identidades nacionais, em que a língua é um dos elementos centrais, pois a história da imposição das nações modernas vai acompanhada da imposição nacional de uma língua única e comum (Silva 2014). Para Kroskrity (2010), programas nacionais de estandardização linguística estão orientados por ideologias que (re)produzem a ideia de uma certa eficiência comunicativa derivada da adoção de um padrão de língua. No entanto, fatores político-econômicos estão por trás da adoção desse modelo, já que sua imposição por parte do Estado sempre privilegiará um grupo a despeito de outro. Destarte considera que as ideologias linguísticas são sempre representações da linguagem e do discurso construídas a partir dos interesses de um grupo social ou cultural específico. “O que esta proposição refuta é o mito do usuário da linguagem sociopoliticamente desinteressado” (Kroskrity 2010, 195; tradução nossa).

Deste modo, considerando que as ideologias linguísticas são idéias, imagens, representações, nos parece importante reforçar a compreensão de que “representação é atribuição de sentido [...] é um sistema linguístico e cultural: arbitrário, indeterminado e estreitamente ligado a relações de poder. É aqui que a representação se liga à identidade e à diferença.” (Silva 2014, 91) E a língua, como também a descendência, a história, a cultura, a religião, o território e, até mesmo, a situação econômica são marcadores de agrupamento (identidades) e têm, ao mesmo tempo, uma função de separação ou descontinuidade (diferenças) apenas aparentemente natural6 no mundo real. As nações (ou povos) são frequentemente identificadas pela presença ou ausência desses marcadores. É por isso, dizem Blommaert e Verschueren (2012, 249; tradução nossa, aspas no original), que “a ausência de um marcador como ‘uma língua diferente’ costuma colocar em dúvida a legitimidade da reivindicação de determinada nacionalidade”.

Não podemos deixar de mencionar, claro, que a globalização – fenômeno que reorganiza as dimensões de espaço e tempo no mundo, deixando-o mais interconectado – deslocou as identidades nacionais no fim do século XX, tendo em vista que essas dimensões7 são coordenadas básicas dos sistemas de representação. Pessoas distantes no espaço e no tempo criaram uma espécie de identidade partilhada, surgida dos fluxos culturais e do consumismo global. Quanto mais as culturas nacionais se expõem às culturas externas, mais difícil é conservar intactas as suas identidades (Hall 2015).

Paradoxalmente, “parece improvável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades nacionais. É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas identificações ‘globais’ e novas identificações ‘locais’” (Hall 2015, 45; aspas e grifos no original). O autor aponta ao menos três razões para isso: a) ao lado da tendência à homogeneização, há uma fascinação com a diferença e com a mercantilização da etnia e da alteridade; b) a globalização não afeta igualmente todas as regiões do mundo para produzir um efeito integral de homogeneidade; c) essa distribuição desigual de sua incidência mantém uma desigual distribuição do poder (o fenômeno da homogeneidade decorrente da globalização afeta especialmente o Ocidente).

Hall (2015) entende que a globalização produz um efeito plural sobre as identidades, que se tornam mais políticas e diversas e menos trans-históricas ou fixas. Os imigrantes saídos de diversas zonas do globo para o interior dos Estados-nação ocidentais, por exemplo, conduziram a uma pluralidade de culturas e identidades nacionais. Apesar disso, o pesquisador conclui que o efeito da globalização segue sendo contraditório: enquanto alguns entendem que as identidades respondem a questões da história, da política, da representação e da diferença, o que torna improvável que voltem a se sedimentar sobre a unidade, outros buscam recuperar uma espécie de pureza anterior, as unidades e certezas aparentemente perdidas. As ideologias linguísticas nacionais de que vínhamos falando aproximam-se dessa segunda leitura, posto que derivam da mobilização de “subjetividades [que] parecem seguir ancoradas, ao menos em certa medida, em emoções que encontram suas fontes em imaginários pretéritos” (Arnoux y Del Valle 2010, 17; tradução nossa).

4. Alguns lineamentos analíticos

Como dissemos na seção anterior, a análise das ideologias linguísticas, entendidas como representações das relações entre línguas e sujeitos, conformadas no bojo de um conjunto linguístico-cultural, intrinsecamente contextuais, não prescinde, contudo, da materialidade linguística. É a apreciação dos signos que se organizam em enunciados, o que nos permite reconhecer e interpretar as ideologias linguísticas.

Nos discursos, para além dos enunciados, é necessário observar as vacilações, reformulações, ênfases ou associações (Arnoux 2010). De qualquer forma, acompanhamos Blommaert e Verschueren (2012) em três premissas que permitem desenvolver mais adequadamente um estudo como o que propomos. Primeiro, a de que os/as autores/as dos comentários que serão analisados, como quaisquer outras pessoas em contextos alternativos, não são capazes de expressar aquilo que desejam comunicar de modo inteiramente explícito. Segundo, a de que permanecem implícitos, em seus discursos, boa parte dos entendimentos que esperam que seus leitores compartilhem com eles/elas. E, terceiro, que a análise cuidadosa desses implícitos pode indicar um quadro comum de referência (ou ideologia).

Os fragmentos que analisamos são um recorte das interações de usuários de uma mídia social em reação a um vídeo publicado em 17 de maio de 2019, o qual apresenta os resultados de parte da pesquisa “O Brasil, as Américas e o Mundo: Opinião Pública e Política Externa”, conduzida por um grupo de investigadores brasileiros de duas diferentes universidades públicas federais. Segundo o vídeo, veiculado pela Agência EFE Brasil8, o estudo conclui que os brasileiros não se reconhecem como latino-americanos.

A escolha do vídeo se deu pela temática, que põe em relação a América Latina, o Brasil e os brasileiros, relevante historicamente desde as primeiras discussões sobre o que é a América Latina e que países a integram; socialmente, porque costuma identificar, para muitos, um conjunto territorial e cultural mais ou menos homogêneo; política e economicamente, pelas propostas de integração regional para fazer frente às nações imperialistas. Todas elas são atravessadas de alguma forma por questões identitárias e ideológicas que não escapam a fatos glotopolíticos. Por outro lado, a opção pelas plataformas (mídias sociais) de uso massivo na internet se deu porque estas costumam ser um ambiente chave para a expressão da opinião pública, provocado tanto pela escassa regulamentação e controle das próprias mídias e do Estado quanto pelo baixo monitoramento dos usuários em suas manifestações e pela possibilidade de que estes ocultem sua identificação. Soma-se a isso o fato de alcançar um público variado quanto à sua natureza (espaço-tempo, faixa etária, gênero, posição ideológica, etc), embora conectado pelo interesse em se aproximar do assunto em pauta e fazer alguma intervenção sobre ele.

No vídeo de 1 minuto e 55 segundos, aparecem imagens de pessoas circulando nas ruas da cidade de São Paulo (primeiro terço da gravação), assim como do Memorial da América Latina, idealizado por Darcy Ribeiro e arquitetado por Oscar Niemeyer, igualmente localizado nessa capital (o que ocupa quase totalmente os outros dois terços da gravação). As imagens do Memorial estão compostas pelo edifício principal, pela escultura “Mão”, pela Biblioteca Latino-americana, pelo Auditório Simón Bolívar (nestes dois últimos casos, é possível ler as placas que as sinalizam com seus nomes) e, muito rapidamente, ao final do vídeo, um painel de Candido Portinari (este, sem indicação nenhuma de título ou autoria). Durante quinze segundos (1’22 a 1’37), o então diretor de dito Memorial aparece como numa espécie de entrevista, dizendo que “a latinidade dos brasileiros é tão forte quanto a de outros países” e que a única coisa que nos “afasta um pouco, mas não nos separa [dos demais países] é a língua, somente isso”. Emite, portanto, um juízo favorável à latinidade brasileira, apesar de indicar alguma divergência linguística.

A constituição do corpus foi realizada em janeiro de 2023, época na qual o vídeo contava com cerca de 20 mil visualizações. Optamos por manter apenas os comentários gerados como respostas diretas (até aquele momento) ao conteúdo apresentado no vídeo, desconsiderando os que continuavam a interação em turnos posteriores (primeiro critério de seleção). Assim, definimos como unidades de análise o que chamamos de “intervenções primárias”, desatendendo possíveis réplicas, tréplicas ou quaisquer manifestações subsequentes9. Tal exclusão foi feita tendo em vista, por um lado, que não estávamos interessados em observar características interacionais dos enunciados produzidos, mas qual posicionamento deles emergia, finalidade para a qual as intervenções primárias eram já suficientes. Por outro lado, porque antevíamos a impossibilidade de analisar uma enorme quantidade de arguições que se desdobram num espaço digital sem limites de extensão10. Assim, foram lidos inicialmente 137 comentários11, dos quais se fez uma análise preliminar em que foram observadas potenciais categorias conceituais de análise, ou seja, aquelas que nos ajudariam a responder as hipóteses levantadas durante a fase de imersão no corpus.

Essa primeira fase da análise nos permitiu observar dois núcleos de intervenções com posicionamentos antagônicos: a) brasileiros que não se reconheciam como latino-americanos nem incluíam o Brasil na América Latina (total de 100 manifestações); b) brasileiros que identificavam o Brasil e a si mesmos como parte da América Latina (total de 35 manifestações). Dois comentários, um escrito em espanhol e um que não nos permitiu identificar o posicionamento da autoria, foram eliminados neste momento da pesquisa12. Tendo em vista que a maior parte dos comentários (73% do total) revelava uma posição contrária à latinidade dos brasileiros ou à pertença do Brasil à América Latina, optamos por analisar exemplares desse tipo (segundo critério de seleção).

Ademais, como nossa pesquisa se enquadra num marco teórico glotopolítico, para o qual a linguagem é um dos elementos centrais, definimos como terceiro critério seletivo a presença, na materialidade dos enunciados, de alguma remissão explícita à(s) língua(s), ou seja, termos como “língua(s)”, “idioma(s)”, “português”, “espanhol”, “latim”, “língua portuguesa”, “língua espanhola”, “língua latina”, “falar” ou outros deste mesmo campo semântico deveriam compor o texto opinativo dos usuários. Deste refinamento, resultaram 36 comentários. Uma vez definidas as categorias conceituais de análise (identidades e ideologias linguísticas), selecionamos obras de referência e fizemos um movimento constante entre teoria e corpus, a fim de examinar sinais de reiterações discursivas.

Após observar as recorrências argumentais desses 36 comentários (quer dizer, os fundamentos que aparecem repetidas vezes em diferentes intervenções com a finalidade de justificar o posicionamento manifestado), para este artigo, selecionamos os dois mais amplos e representativos. Essas duas intervenções, portanto, contêm grande parte dos argumentos presentes na maioria dos comentários do núcleo desfavorável ao pertencimento do Brasil e dos brasileiros à América Latina, assim como aqueles argumentos que apareceram com mais frequência nesse mesmo núcleo.

5. Escuta atenta: o que dizem os brasileiros sobre ser/pertencer à América Latina

Apresentamos, nesta seção, os dois fragmentos (A e B) que reúnem elementos linguísticos e discursivos relevantes para os propósitos da nossa pesquisa e lembramos que toda e qualquer análise está fundamentada no olhar dxs pesquisadorxs e não se pretende generalista. Ao contrário, circunscreve-se às intervenções, embora delas derivem sentidos que se imbricam, obrigatoriamente, com um contexto histórico-social mais amplo.

Destarte, convém fazer uma consideração importante, preliminar às análises. Como adiantamos, a maioria dos fragmentos que constituíam o corpus inicial (do qual se desmembram os dois que apresentaremos a seguir) coadunava com a orientação argumentativa que se contrapunha à ideia de que os brasileiros são latino-americanos (100 comentários; 73% de um total de 137). Isso nos indicava que o público interventor se mostrava amplamente alinhado com o resultado da pesquisa reportado no vídeo e oposto, portanto, à postura integracionista adotada pelo diretor do Memorial.

Contextualmente, ditos fragmentos (assim como os outros 35) foram produzidos/publicados em um período que coincide com a consolidação da extrema direita no Brasil, na figura de Jair Bolsonaro, movimento iniciado institucionalmente com a derrocada da ex-presidenta Dilma Rousseff de seu posto no governo em 2016. A ascensão da direita conservadora em nosso país ocorreu paralelamente à multiplicação de debates entre diferentes posturas ideológicas, ao acirramento do chamado “discurso do ódio” frente a tudo e todos/as que fossem considerados/as “diferentes do normal” e, junto com isso, a um declínio da valorização das pautas da agenda da esquerda. Se bem isso não justifica nem explica um maior número de intervenções no núcleo tendente a concordar com o resultado da pesquisa, pode revelar que esse cenário de disputa política estimulava a proliferação de embates polêmicos e o engajamento dos usuários da plataforma (mídia social) na discussão proposta, independentemente de seu posicionamento. Passemos, então, às análises das intervenções selecionadas.

Imagem 1. Intervenção A.

A intervenção A parte da explanação daquilo que se entende sobre ser latino: algo que vai além de falar uma língua que provém do latim. Há, inclusive, aspas na expressão (“língua derivada do latim”), o que interpretamos como a retomada de uma posição previa —aquela que vincula a língua “latim” à latinidade americana13— frequentemente presente em outros comentários do fórum, sobre a qual voltaremos a tratar no final desta seção. No fragmento em questão, no entanto, a cultura e os costumes é que são elencados como marcadores (Blommaert y Verschueren 2012) do que se concebe por ser latino ou, como figura no enunciado, o que tem muito mais a ver com a latinidade. Ainda que se reconheça a fluidez característica da identidade na pós-modernidade (Hall 2015), dado que se admite a possibilidade de que um país “absorva” a cultura de outros, o que torna os brasileiros não latinos é justamente o fato de não compartilharem com os “países vizinhos” aspectos culturais. No fluxo discursivo, vão se dando reformulações ancoradas em elementos culturais que reforçam, linearmente, esse afastamento: quase não absorve nada 🡪 nem dá mais pra considerar 🡪 em nada se assemelha.

Ao chegar a esse ponto, a organização do enunciado passa a evidenciar a construção de dois coletivos, “nós” e “eles”: estratégia usada para reafirmar a identidade nacional brasileira frente à latino-americana através da diferença (Silva 2014). A escrita vincula-se, agora, a categorias étnicas, dentre as quais há um marcado distanciamento tanto dos espanhóis, colonizadores do que seria “a outra América”, a latina, a não brasileira, quanto dos indígenas, que não fariam parte, nesta perspectiva, da constituição da sociedade brasileira. Nega-se, assim, que os indígenas são povos originários de grande parte da América Latina, incluído, obviamente, o Brasil. Avigora, discursivamente, a memória da aniquilação dos indígenas por parte da coroa portuguesa desde a época colonial perpetuada na formação do Estado Nacional brasileiro.

Como aponta Freire (2017), com a independência, os Estados nacionais latino-americanos deliberadamente desprezaram as línguas gerais (cuja expansão já havia se ocupado de reduzir a diversidade linguística), usando-as como ponte para a adoção das línguas nacionais, espanhola e portuguesa, as quais foram naturalizadas como “línguas da cidadania”. Conjeturamos que a suposta cidadania advinda das línguas nacionais, por analogia, estende-se aos seus falantes e vice-versa. Assim, se “os Estados nascentes não só expulsam da nacionalidade as línguas indígenas [...] avaliando-as como línguas pobres, inferiores, atrasadas, negadoras da modernidade, capazes de colocar em risco a unidade nacional” (Freire 2017, 39), também seus falantes, os indígenas, representam no imaginário social, isto é, através de um ato de criação (Silva 2014), pobreza, atraso e inferioridade dos quais busca se afastar, no discurso em análise, pela diferença, a brasilidade.

Ao unir o grupo dos latinos, somam-se aos espanhóis e aos indígenas os mexicanos, os colombianos e os cubanos. Esses três últimos coletivos, ao serem representantes de um declarado “estereótipo”, no contexto da enunciação, evocam os sentidos inicialmente atribuídos a esse termo, como uma categorização generalista e simplificadora, essencialmente pejorativa (Amossy y Pierrot 2010). A tripla negativa (não se enxergar como latino – não significa se sentir superior – não somos) tece um jogo de sentidos que visa a desfazer uma possível culpa que carrega quem apresenta um traço nocivo como a soberba e a acentuar, inversamente, uma qualidade positiva (não se trata de superioridade, mas de sinceridade daquele que diz). Mais que propriamente negar a suposta superioridade, trata-se de uma estratégia para mitigar o que se enuncia na sequência: brasileiros não fazem parte do “clube” dos latinos. Tais reformulações discursivas funcionam como um recurso protetivo do grupo enunciador, “nós”, à também declarada comparação intergrupal (quando a gente se compara aos outros).

As escolhas léxicas, na trama discursiva, alinham-se com essa interpretação. Quando se enuncia que os brasileiros não fazem parte desse clube, se apela a uma rede semântica que o compreende como um espaço restrito a determinados membros que compartilham afinidades e interesses e, simultaneamente, o atrela a uma carga negativa, uma vez que “a comparação parece ser sempre vantajosa para o grupo ao qual pertence o avaliador” (Amossy y Pierrot 2010, 50). Quando se mobiliza a construção do próprio estereótipo latino para sinalizar a falta de correspondência deste com os brasileiros, se outorga certa obviedade àquilo que se diz, assegurando e legitimando as diferenças que se deseja marcar. Quando a demarcação das apontadas distâncias socioculturais somente tem de ser percebida (é apenas... perceber), quase como um ato automático e voluntário, se naturalizam fronteiras. Nesse processo de normalização, se atribui à identidade – aqui, à brasileira – “todas as características positivas possíveis, em relação às quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma negativa” (Silva 2014, 83).

Curiosamente, se, por um lado, o conjunto latino-americano incluiu da Europa, os espanhóis, a identidade brasileira não inclui os portugueses. O discurso ancora-se no resgate de uma memória histórica de presença e desenvolvimento da cultura francesa no Brasil. Especialmente durante o século XIX14 (Costa 2000; Pereira 2009), a partir da abertura dos portos às nações estrangeiras e do deslocamento da influência inglesa, a cultura francesa, representada por homens, objetos, ideias e língua afirma-se no Brasil. Entretanto, como ressalta Costa (2000), a influência francesa não se manifesta simultaneamente em todo o Brasil, nem com a mesma intensidade em diferentes estados. Na primeira metade do século, justamente pela questão portuária e pelo nível de vida mais elevado de suas capitais, se afixou particularmente no Rio de Janeiro, em Pernambuco e na Bahia, enquanto que apenas na segunda metade do século, como resultado da melhoria dos transportes que atravessavam a região e da riqueza da economia cafeeira, desenvolveu-se também em São Paulo. A população diretamente impactada pela presença cultural francesa no Brasil é, do mesmo modo, limitada: tanto no século XIX quanto nas investidas governamentais mais recentes15 as relações visam à elite econômica, social e intelectual brasileira (Costa 2000; Pereira 2009).

No entanto, o influxo cultural francês no Brasil, afetado drasticamente por questões geopolíticas (ascensão dos Estados Unidos e enfraquecimento econômico, bélico e político da França pós 2ª GM; nacionalismo, crescimento industrial e fortalecimento político do Brasil), diminuiu sensivelmente a partir dos anos 1960 e não é ainda menor hoje devido às políticas intervencionistas da França (Pereira 2009). Esse período de recuo cultural francês coincide de fato, historicamente, com a presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e até hoje não voltou a ter igual envergadura como aquela vista durante o século XIX. O enunciado em análise, no entanto, ameniza esse cenário e negligencia o alcance histórico apenas parcial da cultura francesa às diferentes regiões brasileiras e sua estreita relação somente com a camada mais alta da estratificação social. Ademais, quando atribui essa presença cultural a uma marca da brasilidade, desconsidera que houve amplas investidas francesas em outros países da América Latina durante os processos de independência, não só indiretamente, como fonte inspiradora da filosofia iluminista da qual se alimentaram os próceres libertadores, mas também diretamente, ao estabelecer um comércio com os novos Estados, já livres do sistema colonial e do monopólio metropolitano (Pereira 2009).

É esclarecedor, para nossa análise, o que diz Perrone-Moisés (2001) a respeito do período de consolidação das nações americanas. Segundo a autora, nessa época, havia duas ideias concomitantes de “Europa”, sendo uma aquela dos antigos colonizadores (Espanha e Portugal) e a outra, a França, que cumpre o papel de real metrópole cultural. “Nos países hispano-americanos, a Europa inclui a Espanha e sua tradição cultural, enquanto os brasileiros se esquecem, cada vez mais, de Portugal. Assim, nos discursos culturais brasileiros do século XIX, Europa é, quase sempre, sinônimo de França” (Perrone-Moisés 2001, 47). Esse ideário parece recuperado no fragmento A e nos permite compreender a ausência de referência à Portugal e a menção à França na composição cultural brasileira, assim como a presença de espanhóis na composição cultural latino-americana.

Na contraparte dessa identificação com a França, outro imaginário vem à tona na materialidade do discurso: se destaca a variabilidade cultural brasileira, em oposição, por antonímia, a uma conjeturada uniformidade cultural da América Latina. A diversidade cultural brasileira é considerada por muitos antropólogos a essência fundacional do Brasil. Darcy Ribeiro (1995, 19), em seu clássico O povo brasileiro, revela-nos que somos produto da confluência “do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos” (numa convivência não pacífica, desigual e não democrática), embora considere a contribuição posterior de outros grupos humanos na formação do Brasil. Porém, no enunciado analisado, esses três conjuntos humanos são elididos da brasilidade. Cabe observar, assim, conforme sustenta Arnoux (2000), como algumas representações são valorizadas pelos sujeitos enquanto outras são desprezadas.

É preciso ainda examinar, conjuntamente, os países elencados como o estereótipo da latinidade. México e Colômbia, por exemplo, têm justamente nos grupos indígenas e negros a base de sua configuração étnico-social16. Além disso, segundo o Anuário Estatístico da América Latina e o Caribe (CEPAL 2022, 26), México e Colômbia apresentam tanto um maior índice de população em situação de pobreza (37 e 39, respectivamente), se comparados ao Brasil (18), quanto um maior índice de pobreza extrema (9 e 19, respectivamente, frente a 5 do Brasil). Citar esses dois países, além de Cuba, significa simultaneamente excluir outros países latino-americanos. Se trouxermos à tona outras possibilidades, como a Argentina ou o Uruguai, veremos que mais de 90% das pessoas se identificam como população branca17, que a população em situação de pobreza e extrema pobreza tem baixos índices18 e que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita desses dois países —indicador do nível de riqueza de um Estado— é superior aos da Colômbia e do México, além de ser superior ao índice do próprio Brasil (CEPAL 2022, 31). Por isso, neste momento, cabe lembrar das palavras de Kroskrity (2010) quando diz que não existem falantes sociopoliticamente desinteressados. Isso significa que o que se constrói como discurso está sociopoliticamente marcado e que as escolhas feitas não são um acaso.

No que diz respeito a Cuba, o país figura como o segundo maior PIB per capita (ficando atrás apenas do Uruguai) e seus dados populacionais indicam uma maioria branca caucasiana, embora a que mais cresça, hoje, seja a mestiça (Cubadebate 2014). Isso poderia relativizar nossa linha de argumentação, que vem buscando mostrar como se configuram os dois grupos identitários em questão e como à latinidade são imputadas um conjunto de características depreciativas do ponto de vista do enunciador. O que ocorre a respeito de Cuba, no entanto, é um outro questionamento por parte dos brasileiros. Especificamente, nos referimos à Revolução Cubana e seus impactos no Brasil. Diferente dos outros países da América Latina, Cuba reivindicou um desenvolvimento econômico socialista e o seu nacionalismo era, na verdade, um anti-imperialismo em relação aos Estados Unidos. Assim, o movimento revolucionário inicialmente significou um direcionamento à democracia e “à harmonização das relações capitalistas [mas depois] passou a ser hostilizado pelas elites e setores médios latino-americanos, receosos de ver seus próprios países mergulhados em demandas que podiam ferir os interesses do sistema” (Wasserman 2007, 60). No Brasil, partidos de esquerda foram influenciados pelos ideais da Revolução, enquanto que a elite sempre temeu a instauração do socialismo.

Poderíamos conjeturar, então, que os países que cristalizam a imagem da América Latina no enunciado em análise simbolizam, de alguma forma, coisas categorizadas como negativas, porque imputadas aos outros, e não ao grupo de pertença: a pobreza econômica, o socialismo, os negros, os indígenas. Do outro lado da linha que divide os grupos, aparecem, num lugar de prestígio concedido aos brasileiros, a diversidade (esvaziada) e o afrancesamento (supervalorizado e anacrônico) revestidos de uma sinceridade (soberba). É assim que, na tentativa de sinalizar o distanciamento e sublinhar as diferenças entre “nós” e “eles”, a resposta à pergunta retórica do enunciado (cujo “Sinceramente?” é uma paráfrase de “Na minha opinião”, revestida, outra vez, de uma camada que busca isentar de julgamentos o enunciador) retoma o modo como se estrutura a abertura do fragmento, ou seja, atenuando, na superfície discursiva, a ideia de que o índice de pertencimento à América Latina se daria unicamente pela família linguística à qual pertence o português (ser latino é uma definição muito mais complexa que somente o idioma).

Esse movimento, marcado finalmente pela condicional (se entendermos... então não me considero latino), sugere que a latinidade não reside apenas na questão da família linguística latina comum19, mas se assinala sobretudo por outros aspectos (como cultura e costumes, conforme dissemos). Até aqui, poderíamos conjeturar que as diferentes línguas – espanhol e português – não nos afastam e, tomadas como um marcador único, não seriam um impeditivo à latinidade brasileira. Contudo, muito maior e muito mais complexa são expressões que não deixam à margem tal questão, isto é, a incluem, embora de maneira aparentemente menos significativa (seria diferente dizer, por exemplo, “ser latino não tem a ver com língua”).

Essa inclusão pode ser interpretada como uma resposta à fala do diretor do Memorial quando diz que “somente a língua nos afasta”, trazendo para a discussão o argumento linguístico. Nesse sentido, a intervenção A se opõe ao que diz o diretor, relativizando as diferenças linguísticas, embora reforce o resultado da pesquisa, de que não há uma identificação dos brasileiros com os latino-americanos. Assim, enquanto para um, somente as línguas poderiam nos afastar, ainda que não nos separem, para outro, talvez, somente elas poderiam ser capazes de nos separar, embora mantenham um vínculo entre si. Finalmente, a análise do enunciado termina por desnudar o receio de que pela língua, pudéssemos ser mais que “vizinhos”, fizéssemos parte do mesmo “clube”, realmente nos reconhecendo uns nos outros. Vale observar, ainda, que o comentário A tem 129 likes e nenhum dislike, o que demonstra a concordância de grande parte do público que acessou a página e leu dito comentário. Vejamos como essa recusa à latinidade permeia de modo congênere a intervenção B.

Imagem 2. Intervenção B.

Este segundo fragmento nos chama a atenção pelos elementos que compartilha com o anterior (incluídos os números de like e dislike). Algumas tipografias, no entanto, parecem dar-lhe um tom mais enfático para o apelo à não latinidade dos brasileiros, demonstrando irritação diante daquilo que se leu/ouviu/viu no vídeo e/ou nos demais comentários: os argumentos são numerados, reforçando que haveria muitas contraposições a sentir-se parte da América Latina; sinais de interrogação parecem indicar uma pergunta óbvia, porém não considerada no contexto em que os enunciados se produzem; expressões são empregadas em caixa alta, recurso gráfico usado para marcar a alteração do tom de voz. Não acreditamos que seja mera coincidência que o estereótipo seja o primeiro marcador a ser colocado em destaque. Abordar o tema abruptamente combina com o matiz mais incisivo do enunciado (enquanto no anterior, outras questões são levantadas antes de se falar de estereótipo). Além disso, o primeiro item de uma organização numerada costuma ser o mais importante ou o mais lembrado. Talvez o modo de organização discursiva (seleção e disposição dos elementos lexicográficos) tenha desencadeado um número ainda maior de respostas em B do que havíamos visto em A.

Assim como no caso A, esse estereótipo, que não tem nada a ver com o brasileiro, será também enquadrado em países específicos, como se dentro das linhas que marcam seus territórios tudo fosse homogêneo, inclusive no Brasil. Os ícones da latinidade são Colômbia (novamente), Porto Rico e Bolívia. Outra vez, trata-se de países de cuja base étnica fazem parte indígenas e negros, além dos brancos colonizadores e outros invasores que compuseram a história. Outra vez, países com alto nível de pobreza e baixo PIB per capita20, para sinalizar apenas alguns índices sociodemográficos. E agora, mais explicitamente, reconhecemos a avaliação negativa que se faz desse estereótipo, já que considerar os brasileiros como latino-americanos significa “sub-julgá-los”. “Subjugar” quer dizer estar sob o domínio de algo/alguém. Nesse sentido, revela-se que, na constituição das identidades dos Estados nacionais, a interferência (cultural, política, linguística etc.) ou o simples contato com os demais países constitui uma ameaça à nacionalidade brasileira. Porém, aqui percebemos um deslize de sentido, uma alteração no significante, que lhe faz significar ainda outra coisa: sub-julgar parece indicar “julgar como inferior”, o que se evidencia com o termo “desdenho” do item 5. Destarte, considerar que os brasileiros são latino-americanos seria o mesmo que menosprezá-los. É colocá-los, portanto, em uma categoria inferior.

A intervenção, como em A, reitera que a cultura é o traço distintivo dos brasileiros (um mundo diferente e único). Mas, apesar dessa marcada singularidade —que nos leva a reforçar nossa tese sobre os ecos que as narrativas da formação do povo brasileiro solidificam no seu imaginário— se admite novamente a “absorção” de outras culturas, conforme figura no item 2. Essa aparente incongruência nada mais é que a seleção de elementos que se quer designar a si mesmo: as culturas latino-americanas (às quais, como anunciamos, atribui-se certa homogeneidade) estão fora do conjunto que define os brasileiros, ao passo que as culturas europeias e americanas (também supostamente uniformes cada uma delas) fazem parte dessa unicidade tão variada que conforma a identidade brasileira. Entendemos que a cultura europeia é uma metonímia de Europa ocidental, não apenas pelos países mencionados nesses dois fragmentos, mas pelos próprios efeitos da globalização, como aponta Hall (2015). Outrossim, interpretamos que a cultura americana faz referência aos Estados Unidos, tendo em vista não só a impossibilidade de que, nesse contexto, tal cultura se refira a países da América Central ou do Sul, mas também o alinhamento histórico do Brasil com os Estados Unidos e a ausência à alusão a qualquer outro país norte-americano no corpus inicial21.

A marcação da identidade ocorre no interior das relações de poder, reveladas nas dinâmicas de “incluir/excluir (‘estes pertencem, aqueles não’); demarcar fronteiras (‘nós’ e ‘eles’); classificar (‘bons e maus’; ‘puros e impuros’; ‘desenvolvidos e primitivos’, ‘racionais e irracionais’); normalizar (‘nós somos normais; eles são anormais’)” (Silva 2014, 81-82). Assim como no fragmento anterior, discursivamente, neste, aloca-se o Brasil e os brasileiros em um lugar de consumidores da cultura que se faz nos popularmente chamados países de “primeiro mundo” ou “desenvolvidos”, associados comumente à modernidade e ao progresso. Ainda que não possamos negar que somos fortemente influenciados pelos valores ocidentais, o enunciado, na interação em que se produz, evidencia o receio de que o Brasil possa perder essa identidade supostamente europeizada e americanizada (ou ocidentalizada e estado-unidense), se for equiparado aos países vizinhos.

Diferentemente do que encontramos em A, contudo, observamos que não há referência às expressões “América Latina” ou “latino-americanos” nessa intervenção. Há uma sinédoque que substitui tais termos por “latino”, o qual costuma ser muito controverso em sua definição22. E é este termo (e não “americano”) que está sendo menosprezado. A respeito do significante “latino”, Barbosa (2021) oferece-nos uma profícua discussão em termos psicanalíticos. Tomando a noção lacaniana23 de “recalque”, grosso modo entendido como um estímulo interno que encontra resistências à sua satisfação, a autora conclui que não importa o quanto esse significante tenha mudado conceitualmente ao longo da história, sempre esteve acompanhado de ideias imperialistas, vinculadas à dominação romana sobre parte do continente europeu. Assim, complementa a autora, esse significante – ainda não totalmente elaborado – se inscreve reiteradamente há mais de 2.500 anos como um retorno do recalque, o que, na América Latina, só se pôde conhecer através da violência (Barbosa 2021, 81).

Haveria dois momentos, segundo Barbosa (2021), de dominação e submissão de povos latinos: romanos sobre a Europa e europeus sobre a América. A latinidade que a Europa não reconheceu para si, ao menos no nome, como dominada, é a mesma que impôs, por meio do nome, à América: apaga, então, o nome de seu conquistador, mas através do mesmo movimento feito por ele, como se seu lugar de dominador passasse a ocupar, nomeia seu subordinado. Isso se relaciona com o questionamento presente no enunciado em questão, sobre por que países como Portugal, Itália, Espanha e França não são chamados “latinos europeus”. Essa indagação retoma o discurso que se quer defender: parece que se tais países tivessem sido assim chamados, não haveria problema, destarte, que o Brasil fosse compreendido como um país latino-americano, pois imaginariamente estaria em pé de igualdade com os primeiro-mundistas europeus, portanto do mesmo lado do dominador. Nessa perspectiva, a representação da identidade brasileira não estaria ameaçada pelo “subdesenvolvimento, atraso e miséria latinos”.

E é neste ponto que a questão da língua é posta em foco. Assim, o “rótulo” imputado aos brasileiros, ao contrário dos países europeus que têm igualmente uma língua românica como hegemônica e oficial (ou cooficial, em alguns casos), mas nem por isso são designados “latinos”, não é desejado. Novamente, portanto, a família linguística comum é subestimada como critério de uma possível homogeneidade regional. Reforçar a diferença entre ambas as línguas —espanhol e português— colabora para enfatizar o afastamento dos brasileiros do universo latino-americano, tal como o resultado da pesquisa reportada pelo vídeo apresenta.

Além disso, é relevante observar que há no excerto B novas nominações para pertença cultural e territorial. Mobiliza-se a designação “América Espanhola”, para marcar geográfica e socialmente a porção do continente americano colonizada pela coroa Espanhola e separá-la do Brasil que, neste caso, por analogia, corresponderia a uma “América Portuguesa”. Evidencia-se, ainda, um novo recorte em relação ao fragmento A que é o de “sul-americano”. Na geografia política, sabemos que países da “América Espanhola” fazem parte, juntamente com o Brasil, do que se convencionou chamar América do Sul. Portanto, levada ao pé da letra, a qualificação “sul-americano” não deixaria à margem alguns dos criticados países “latinos”. Isso nos mostra, mais uma vez, como as identidades são construídas discursivamente, segundo o imaginário social (Silva 2014). E é quando estas designações entram em relação umas com as outras que podemos desvelar alguns sentidos não tão evidentes à primeira vista. Nos arriscaríamos a dizer que da “América do Sul” na qual se inscrevem os brasileiros, apenas alguns países (mais ricos e europeizados para esse imaginário) fazem parte, não correspondendo, assim, dita América àquela que política e geograficamente leva o mesmo nome.

Nessa linha, Prado (2001) mostra como se inaugura uma forma específica de interpretar o Brasil, que permanece na memória dos discursos aqui analisados, a partir dos textos de dois historiadores alemães, divulgados em diferentes espaços na sociedade brasileira do século XIX. Segundo esses historiadores (cuja ideia foi repetida nos mais diferentes espaços sociais brasileiros, desde escolas até a imprensa), a Monarquia era vista como o regime ideal para um país com grande número de escravos. Esse regime político, ademais, representava um país unido, forte, poderoso, diferente das ideias republicanas que se assentavam nos demais países da América Latina. Segundo a autora, é com base nessa contraposição entre monarquia e república que se erige a identidade brasileira, mostrando claramente como deveriam se estabelecer as diferenças entre “nós” e “eles”. Os países latino-americanos eram vistos, no Brasil, como fragmentados, desorganizados e potenciais inimigos políticos. Sobre a política externa brasileira no período imperial, a autora diz:

O país [Brasil] deveria ter um lugar hegemônico na América do Sul, mantendo distância de seus vizinhos, não considerados como “iguais”. A monarquia brasileira havia demonstrado, na ótica desses políticos e publicistas, sua “natural” superioridade. O Brasil continuava a olhar para a Europa, vale dizer Grã Bretanha e França, fonte irradiadora da “cultura, do progresso e da civilização”. Tais valores não poderiam ser encontrados nos vizinhos que nos rodeavam (Prado 2001, 138; aspas no original).

Segundo Prado (2001), em teoria, a instauração do regime republicano no Brasil deveria alterar esse cenário, diminuindo as distâncias que nos separavam da “outra América”. Porém, não foi o que ocorreu, uma vez que os republicanos não chegaram a construir um discurso que marcasse uma cisão entre esses dois períodos políticos. Alguns criticaram a instalação da república por não verem seus anseios atendidos por um processo julgado demasiadamente lento. Junto a isso, a mensagem de unidade e grandeza do território, deixada pela monarquia, permanecia intacta. E mais um ponto foi extremamente importante para reforçar um sentimento anti-hispânico: ao mesmo tempo em que a República se afirmava, o Brasil se alinhava aos Estados Unidos na esteira do pan-americanismo. Como resultado, “não se alteraram substancialmente as relações diplomáticas com os demais países da América Latina” (Prado 2001, 146).

6. Das construções ideológico-identitárias: brasilidade e línguas

Nas duas intervenções que analisamos encontramos uma tentativa de sustentar certa unidade daquilo que significa “ser brasileiro”. A fim de criar e manter o “dogma da homogeneidade” (Blommaert y Verschueren 2012), se dá centralidade ao elemento cultural como marcador da brasilidade. A atribuída diversidade da cultura brasileira não está calcada, no entanto, nem nos grupos étnicos originários, nem nas raízes africanas e tampouco na intervenção colonial portuguesa, contrariando as narrativas de formação do Brasil defendidas amplamente por intelectuais do início do século XX, como Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre ou Sérgio Buarque de Holanda. Fundamentalmente, a França e os Estados Unidos são elencados como os grandes influentes culturais do brasileiro, motivados pelo elitismo, progresso e modernização que simbolicamente tais países representam no imaginário desse povo.

Esse imaginário não se constrói ao acaso. Houve, na história brasileira, como mostramos, uma Belle Époque francesa e um estreitamento de relações políticas com os Estados Unidos, o que sugere, como afirmam Arnoux e Del Valle (2010), que na formação das subjetividades recorre-se a imaginários pretéritos, isto é, busca-se resgatar na história memórias que justifiquem as unidades e certezas perdidas (Hall 2015). A imagem idealizada da civilidade e luxo franceses e do lugar estado-unidense na economia mundial com a qual se identificam os brasileiros mostram a valorização do externo sobre o autóctone ou, mais singularmente, do eixo nórdico-ocidental Estados Unidos-Europa. Caracterizados nos discursos como diferentes e distantes, apesar de “vizinhos”, não cabe à exterioridade dos “latino-americanos” incidências sobre a identidade brasileira.

Nesse sentido, justifica-se, nos discursos, a identidade brasileira por meio da sua valorização sobre outras (Silva 2014), estas representadas por países pejorativamente designados como “latinos”. Frente às históricas lutas republicanas de emancipação dos vizinhos, sobressai a memória da fortaleza, riqueza e unicidade monárquica do Brasil; diante dos estereótipos de pobreza e atraso dos países hispano-americanos ou da América Hispânica ou, ainda, da América Latina, reluz a superioridade da América do Sul e, fundamentalmente, do Brasil.

Essa postura anti-hispânica (Prado 2001) e racista que vai se tornando mais evidente nas intervenções passa —ou começa, ou termina— pelas ideologias linguísticas. Ao recusar que a latinidade dos brasileiros procederia de falarmos uma língua derivada do latim ou que este seria o argumento cerne da questão identitária brasileira, se produz um efeito paradoxal, já que colocar em cena a questão linguística, mesmo que seja para minimizar sua proeminência, mostra o quanto essa tese é relevante nesse contexto enunciativo. Tal efeito paradoxal não é, no entanto, contraditório, uma vez que se trata, como dissemos, de interações em que os textos produzidos sempre consideram interlocutores reais (como o caso do diretor do Memorial que opina no vídeo que disparou os comentários) ou potenciais e, no caso em análise, dar à origem linguística latina uma posição secundária (ou bem negá-la) na conformação da identidade brasileira funciona como uma reação à recorrência de sua menção em outros comentários (e uma discordância a respeito da voz do citado diretor).

A questão que se coloca, finalmente, é que nesses fragmentos a latinidade está associada aos “latino-hispano24-americanos” e a todos os preconceitos que lhes impõe o olhar brasileiro, demonstrando como as relações de poder se constituem no discurso. Assim, se como salientam Blommaert e Verschueren (2012), uma língua diferente dá legitimidade à reivindicação da nacionalidade, constituindo-se como um marcador essencial desta, o intento de distanciar-se da origem latina da qual provém o português brasileiro revela uma tentativa de evitar que, pela língua, os brasileiros sejam identificados como “latinos”. Se há uma perspectiva prévia recorrente no senso comum de que os brasileiros são latino-americanos porque falam uma língua derivada do latim, é desta perspectiva e de tudo que ela implica que se devem afastar os brasileiros para reafirmar sua presumida homogeneidade nacional diante de uma também hipotética (e antagônica) unidade latino-americana e, em última análise, sua supremacia em detrimento dos menoscabados países “vizinhos”.

Anexo 1: Transcrição do áudio que acompanha o vídeo publicado em 17 de maio de 2019

EFE BRASIL. Brasileiros não se reconhecem como latino-americanos.

LOCUTOR/NARRADOR: Um estudo realizado no início deste ano mostra que os brasileiros são os que menos se identificam como latino-americanos entre os países da América Latina. A pesquisa perguntou a 1.849 brasileiros qual era a identidade com a qual se sentiam mais próximos. Entre os entrevistados, 80,6% escolheram a de brasileiro; 11,4% se definiram como “cidadão do mundo”; e apenas 4,2% se identificaram como latino-americanos.

Os dados fazem parte da pesquisa “As Américas e o Mundo: Opinião Pública e Política Externa” [o título da pesquisa é o que informamos no corpo do texto do artigo; aqui, houve um equívoco por parte da agência que publicou o vídeo], antecipados à Agência EFE pelo professor da Universidade de São Paulo, Feliciano de Sá Guimarães. Em 2015, o número de brasileiros que se identificaram como latino-americanos também ficou em 4%. Enquanto isso, a porcentagem foi de 38% no Chile e chegou a 59% na Colômbia.

Segundo pesquisadores, esse fenômeno é explicado por questões históricas, diplomáticas e geográficas. Com o objetivo de reverter esse cenário, o antropólogo Darcy Ribeiro projetou o Memorial da América Latina, em São Paulo, que completou 30 anos em 2019.

DIRETOR DO MEMORIAL: Eu acho que a única coisa que nos afasta um pouco, mas não nos separa, é a língua, somente isso; mas eu acho que a latinidade do brasileiro, ela é tão forte quanto a de outros países.

LOCUTOR/NARRADOR: O Memorial da América Latina também oferece aulas gratuitas de espanhol. Os cinco edifícios do complexo, desenhados pelo arquiteto Oscar Niemeyer, reúnem arquivos, exposições e espetáculos sobre a cultura latino-americana.

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» Woolard, Kathryn. A. 2012. “Introducción: las ideologías linguísticas como campo de investigación”. En Ideologías linguísticas: práctica y teoría, editado por Bambi B. Schieffelin, Kathryn A. Woolard y Paul V. Kroskrity, 19-70. Traducido por Susana Castillo, Lorena Hernández, Vítor Meirinho-Guede, Laura Villa e Igor Rodríguez. Madrid: Libros de la Catarata.


1 Arnoux (2021) alude à área com essa nomenclatura. No entanto, aqui preferimos falar de “estudos discursivos” a fim de evidenciar a pluralidade dos referentes teóricos e metodológicos dos quais se valem tais estudos na região latino-americana, evitando, assim, o risco de automatizar sua identificação com uma única corrente ou filiação discursiva.

2 Fazemos notar aqui, assim como no título desta seção, uma clara remissão à citada obra seminal de Guespin e Marcellesi (1986).

3 Para uma história do campo em seus inícios, ver Arnoux (2000).

4 Salientamos ao menos três elementos que nos levam a fazer esta afirmação: o Congresso Latino-Americano de Glotopolítica, que desde 2015 ocorre bienalmente; a publicação do Anuário de Glotopolítica, a partir de 2017; e a criação de uma rede de investigação conformada por pesquisadores da Argentina, cuja figura central é a professora Elvira Narvaja de Arnoux, da Universidade de Buenos Aires, e dos Estados Unidos, encabeçada pelo professor da City University of New York, José Del Valle, tal como ele mesmo aponta em texto publicado no 1º Anuário de Glotopolítica.

5 Ressaltamos que Blommaert e Verschueren (2012) abordam o nacionalismo no contexto europeu. Estamos tomando alguns conceitos que nos parecem úteis para a discussão que propomos, resguardando as diferenças histórico-sociais entre os contextos em que se produzem e analisam os diferentes corpora.

6 Como dissemos anteriormente, não existem agrupamentos e descontinuidades naturais no mundo real; estes são criações humanas construídas discursivamente.

7 O autor salienta que, na globalização, existe uma sensação de que o mundo é menor e as distâncias são mais curtas; de que os eventos que acontecem num lugar impactam de forma imediata lugares e pessoas localizadas numa ampla distância. Destaca, entre outros, à época da escrita do texto original, importantes elementos que contribuíram para a manifestação dessa sensação: comunicação (fax), transporte (avião a jato), localização (satélite), entre outros.

8 Agência internacional de notícias, financiada pelo governo espanhol. A transcrição do áudio da gravação encontra-se no Anexo 1.

9 Convém esclarecer, no entanto, que as respostas “ao vídeo” são intervenções que se projetam sobre reais e possíveis outros interlocutores.

10 Nos referimos tanto ao ilimitado número de respostas possíveis quanto à ausência de um limite temporal (cronológico) de inserção dessas respostas no fórum, característicos do espaço virtual.

11 Esse era o número de intervenções primárias quando do momento do primeiro acesso ao material.

12 Ainda que não possamos assegurar, supomos que a intervenção feita em espanhol não tenha sido escrita por um brasileiro e tampouco havia nela um sujeito que se inscrevesse no discurso como tal. Já no que se refere ao comentário em que não identificamos nenhum dos dois posicionamentos descritos em “a” e “b” figura “Eu diria que é a mesma vibe da Holanda e Países baixos”, o que parafraseamos como “Trata-se do mesmo tipo de discussão que se estabelece a respeito de o Brasil pertencer ou não à América Latina”.

13 Em outros fragmentos, trataremos de outra tese: a que vincula o latim a uma latinidade mais ampla, isto é, que abarcaria todos os países, e não apenas os do continente americano, cujas línguas (majoritárias e, frequentemente, hegemônicas e oficias) também são românicas.

14 Alguma influência houve ainda no período colonial, embora pouco significativa porque limitada a núcleos pequenos e ligada apenas ao campo das idéias (Costa 2000).

15 Pereira (2009) diferencia “ação cultural” francesa, de caráter mais autônomo, ocorrida até o começo do século XX de “política cultural” francesa, de ingerência governamental planejada, a partir do começo desse século. Para ambos os casos, reafirma uma ligação inequívoca entre a produção cultural francesa e a elite brasileira.

16 De acordo com os dados censitários disponíveis em INEGI (2020) e DANE (2018).

17 De acordo com os dados censitários disponíveis em INDEC (2022) e INE (2023).

18 Uruguai e Argentina têm índices menores que Brasil, México e Colômbia em relação à população em situação de pobreza extrema. No quesito “situação de pobreza”, apenas a Argentina tem índice superior ao do Brasil, mas ainda abaixo do México e da Colômbia. Não há, no relatório, índices dessas categorias relativos à Cuba.

19 Lembramos que estamos considerando, em virtude das referências feitas no enunciado, somente os países hispano-americanos e o Brasil.

20 Estamos orientando-nos pelos índices apresentados pelo já referido Anuário publicado pela CEPAL. Nele não aparecem dados relativos a Porto Rico.

21 Com “corpus inicial” nos referimos às intervenções primárias (137 comentários selecionados previamente para análise). Não encontramos em nenhum deles referência a outros países da América do Norte.

22 Sinédoque que também compõe o enunciado em A.

23 Segundo Barbosa (2021), esse conceito foi elaborado primeiramente por Sigmund Freud e desenvolvido posteriormente por Jacques Lacan.

24 Reiteramos que o cotexto está sendo levado em consideração e por isso estamos focando a América Latina hispânica, embora as análises nos levem a crer que uma avaliação semelhante (ou inclusive mais nefasta) aconteceria em relação aos países não hispânicos dessa região.

* Parte deste trabalho foi desenvolvida com subsídio financeiro da Fundação Araucária, na modalidade Iniciação Científica, desenvolvida na Universidade Federal do Paraná